29 de jan. de 2012

Tu casa es mi casa

Ontem, mais uma vez, Guimarães me surpreendeu. Inserido na programação da Capital Europeia da Cultura (CEC), foi realizado o evento Mi Casa Es Tu Casa, no qual moradores da cidade foram convidados a abrirem suas portas para receberem atrações musicais e público. Dentre casarões antigos, apartamentos modernos e salas apertadas, 32 espaços foram incluídos no mapa que informava a localização e o horário dos concertos. A atração que iríamos ver, entretanto, era surpresa. Uma lista com nomes famosos e anônimos foi divulgada, e nem mesmo o staff do evento, espalhado pelas ruas da cidade, sabia informar quem iria tocar onde.

O nome que logo saltou à minha vista foi o de Luisa Sobral, uma das primeiras cantoras portuguesas que conheci quando cheguei ao país, e por quem me derreti logo ao primeiro contato. Queria assistir ao concerto da Luisa, mas não sabia onde ia ser. Fiz alguns cálculos e suposições quanto aos horários, espaços e localizações e apostei numa casa próxima ao Centro Histórico, às 21h30. Já escurecia por volta das 18h e começou um burburinho tímido sobre a apresentação de Luisa, que seria no local mais afastado do mapa, às 19h30. Algumas pessoas diziam ter certeza, outras não levaram a informação muito a sério. Pelo sim, pelo não, convenci meus amigos a irmos até lá conferir.

Chegamos ao local, mortos de cansaço depois de uma boa caminhada, e avistamos a sinalização do evento. Perguntei ao rapaz que estava à porta se ele sabia nos dizer qual seria a atração daquele horário e ele confirmou: Luisa Sobral. Subimos até o apartamento, fomos recebidos pelos anfitriões e nos alocamos no chão da sala de estar, onde seria apresentado o pocket show.

Depois de alguns minutos de espera, chega Luisa. “Ela me parecia mais imponente por vídeo”, pensei eu, num julgamento apressado do qual me arrependi logo que a menina entoou a primeira nota. Como uma contadora de estórias numa sala de jardim de infância, Luisa inebriou o modesto público que a rodeava na sala de estar, fazendo brotar sorrisos nos rostos atentos que não piscavam e nem se distraíam diante da gigante mini apresentação composta apenas por violão e percussão – e por uma caixinha de música em uma das faixas.


Então eu me dei conta: toda aquela simplicidade era o que transformava, não só o concerto de Luisa, mas todo o evento, em algo magistral. Guimarães não é uma cidade grande e - tomara - nunca o será. Eventos grandiosos, como foi a tumultuada abertura da CEC no dia 21 de janeiro, não combinam com a cidade. Já o formato do Mi Casa Es Tu Casa, que muito me lembrou o Noc Noc, ocorrido em outubro do ano passado, me parece muito mais acertado. Pude conhecer Guimarães de fora para dentro, pude me mover pela cidade e entrar em casas pelas quais eu só havia passado em frente. Era engraçado ver as pessoas nas ruas, com mapas nas mãos, seguindo não sabiam aonde para assistir não sabiam o quê. Tudo girava em torno da surpresa. A surpresa do interior das casas, a surpresa das atrações musicais. E essas surpresas foram o suficiente para transformar um evento simples em algo grandioso e memorável.

Não houve a necessidade de montagem de palcos, de sistemas de iluminação e de grande preparo acústico. O evento envolveu e se baseou na cordialidade e na participação da população vimaranense que, desde que se iniciaram as obras para a CEC, dava palpites sobre como seria o ano de 2012. Intimista e encantadora, assim como é a cidade de Guimarães, foi a experiência do Mi Casa Es Tu Casa, uma surpresa muito bem-vinda já no primeiro mês de Capital Europeia da Cultura.

26 de jan. de 2012

Uma nostalgia que não é minha

Há muito tempo, numa época na qual eu e você achamos ter vivido mas, na verdade, só chegamos a testemunhar seu último suspiro, existia a fotografia. Era algo sagrado, que transcendia o físico, que imprimia memórias, que sucitava emoções, que dançava uma valsa entre a fantasia e o real. Acontece, meu amigo, que a fotografia foi-se embora pra Pasárgada.


Saudosismo barato. Nostalgia boba. Chame do que quiser. Mas muda-se o tempo e com ele mudam-se as coisas, e muda-se também nossa relação com essas coisas. A fotografia sofreu uma revolução, com tudo de bom e de ruim que uma revolução traz consigo.

Hoje o amigo Google me presenteou com uma série de fotografias magníficas do também magnífico Henri de Toulouse-Lautrec. Nas imagens em questão, o meu pintor francês anão do século XIX preferido está cagando. Literalmente e não.


Repare na graciosidade dele. Na envergadura adquirida para o ato. Na cútis imaculada que cobre seus glúteos. E last, but not least, no resultado de tanta força e empenho empregados: um singelo cocô.
Maurice Joyant, amigo de Lautrec, é o autor da foto, que foi tirada na dita fase de decadência do pintor, um ano antes do mesmo ser internado em um asilo. A ocasião? Joyant queria animar o amigo, que passava por uma fase difícil e tentava compensá-la com excessos de álcool e boemia. Lautrec viria a falecer após três anos, e as fotos entrariam para a história como uma lembrança da amizade de ambos - e, claro, como prova do bom funcionamento intestinal de Lautrec. 

O meu ponto é: já houve uma compreensão da fotografia cotidiana como algo que transmite uma mensagem. Algo dotado de um contexto que, ao mesmo tempo, retrata e transcende a relação fotógrafo-fotografado. A beleza dessas fotografias não estava somente nas cores, nos contrastes, nos ângulos e no foco, mas numa poesia às vezes alheia e às vezes envolta em tudo isso.

Hoje, para além do bombardeio de imagens que sofremos, há uma grande facilidade de se produzirem e se reproduzirem fotografias, e uma busca pela perfeição por meio de sucetivos disparos à procura do melhor resultado. Acontece que o melhor resultado estético nem sempre está ligado ao melhor resultado poético. O pop matou a poesia, I rest my case.

Recomendo imenso uma visita ao blog Iconic Photos, que faz um apanhado de fotografias deslumbrantes (demorei minutos pra pensar em um adjetivo à altura das fotografias e ainda acho que esse não é suficiente) acompanhadas de comentários muito interessantes.